Um dos primeiros textos que publiquei aqui, talvez tenha sido o primeiro, foi uma grande reflexão sobre propósito e sobre a pressão que é ter que decidir o que “fazer da vida” (geralmente, esse ‘o que’ é de natureza estritamente profissional). Pois bem, em mais ou menos uns dois meses (se tudo der certo, vamos todos mandar energias positivas por favor) eu me formo na faculdade que escolhi fazer depois de mudar de ideia algumas vezes e continuo sem uma resposta. O que eu quero fazer da vida? Não sei.
Tenho sim alguns planos para o futuro, tenho em mente certas coisas que quero fazer nesse pouco tempo que tenho por aqui e alguns marcos que quero alcançar, mas nada muito definidor desse grande propósito que as pessoas tanto insistem em endeusar. Tipo quando um médico fala que desde que tinha três anos sonhava em salvar vidas ou um programador conta como amava fazer planilha no Excel desde que se entende por gente (não sei se essa pessoa existe).
Eu nunca tive isso. Diante do caos do mundo e a catástrofe climática iminente às vezes me pergunto para que fazer planos at all (mas essa é uma conversa mais adequada pro psiquiatra).
Naquele primeiro texto, falei sobre como essa mania de querer romantizar o trabalho ou tornar a nossa profissão o grande marco da nossa personalidade e identidade é apenas mais um dos mecanismos do capitalismo para continuar explorando as pessoas sem elas se darem muita conta, uma espécie de anestesia. Trabalhe com o que ama e você não vai trabalhar um único dia! A ideia é sedutora, não vou mentir.
E é claro que trabalhar com o que a gente gosta ou conseguir monetizar alguma coisa que a gente faz bem ou faz com gosto é infinitamente melhor e mais gostoso do que ser obrigado a trabalhar com alguma coisa que faz a gente infeliz e nos desgasta muito mais - todo mundo precisa de dinheiro para sobreviver, é melhor poder se divertir um pouco no processo de conseguí-lo. O meu problema mesmo é reduzir a nossa vida a esse trabalho. Essa ideia de criar uma grande carreira, subir na vida e etc. etc. Não sei se quero isso não.
O que tenho visto cada vez mais por aí (isso em uma bolha muito específica de pessoas que têm a condição de sequer refletir sobre isso - é uma discussão muito elitizada essa que tenho aqui) são pessoas que enxergam o trabalho como parte da vida, mas não como a única parte da vida. Sim, trabalho com alguma coisa que não odeio, pela qual eu minimamente me interesso, mas quando o expediente acaba, o trabalho fica para trás e eu vou fazer outras coisas. Sinto as pessoas percebendo as armadilhas do “trabalhe enquanto eles estão dormindo” e do “self made”. Algumas, pelo menos.
É parte de um movimento maior de priorizar o menos em um mundo que passou muito tempo (e continua) tentando enfiar o mais e mais e mais pela nossa goela. Por que raios eu vou querer ser explorado todos os dias para um dia quem sabe ser promovido e chegar ao topo para fazer uma coisa que eu nem sei se gosto mesmo de fazer? (Entendo que às vezes tem gente que escolhe esse caminho pelo dinheiro, mas se me permitem dar a minha opinião, que vida triste deve ser essa).
Por que é que eu não posso trabalhar - e, no trabalho, me aplicar, aprender, criar coisas novas, me divertir, crescer de certa forma - e, mesmo assim, ter uma vida fora da minha profissão? Ser alguma coisa fora da minha profissão?
Por que é que eu vou gastar esse tempo curto que eu tenho, que pode ser ainda mais curto por causa do apocalipse político e climático do mundo (vou marcar consulta, prometo) criando uma “carreira” se eu posso separar as coisas e dar o valor necessário para cada uma delas. Tenho o tempo do trabalho, o tempo dos encontros com as pessoas queridas, o tempo de ficar sozinha e do ócio (meu deus, o ócio é muito importante), o tempo de descobrir interesses novos, o tempo de me permitir ter hobbies (e de ser ruim nesses hobbies e não precisar ser profissional em nenhum deles!!), o tempo de viajar.
Na minha cabeça isso faz muito mais sentido. (E, de novo, essa é uma aflição bizarramente privilegiada de se ter! Poder escolher o que fazer da vida e com o tempo livre, ter tempo livre, é um privilégio enorme).
E esse movimento do menos não se restringe ao trabalho. Meu inimigo número um, por exemplo, as redes sociais, também têm visto esse movimento. As pessoas não aguentam mais esse vício dopamínico (não sei se essa palavra existe) que deixa a gente tão preso a coisas tão sem importância e que tomam tanto do nosso tempo. Tem gente deletando redes sociais, tem gente comprando flip phone, tem gente demorando duas semanas para responder mensagem (desculpa, amigos). Ninguém aguenta mais e mais e mais.
(Inclusive vi um tweet muito bom sobre isso hoje que falava algo na linha de “eles criam o celular e o seu vício, e aí criam a ‘solução’ vendendo apps de meditação e foco quando o problema continua sendo seu celular” - e entendo a ironia de falar que odeio as redes sociais e ser viciada no twitter, mas é uma doença e eu sou apenas uma vítima).
Quando escolhi fazer Jornalismo, eu estava apenas unindo o útil ao agradável. Contar histórias é uma coisa que eu adoro fazer e sobre a qual eu gostaria de aprender mais. Se fosse pela carreira, seria melhor eu ter escolhido ser advogada ou médica mesmo. E eu nunca sonhei em seguir o caminho da carreira jornalística, de trabalhar em uma redação e crescer até virar editora chefe (ainda bem, porque as redações seguem se acabando por aí, infelizmente as pessoas esquecem da importância do jornalismo nesse mundo de redes sociais). A mesma coisa quando, com os meus dezessete anos, escolhi fazer História. Pelo dinheiro não foi, rs. Era porque eu gostava do assunto e queria aprender mais sobre.
Será que todas as nossas decisões a partir do momento que nos tornamos adultos tem que ser relacionada à nossa profissão? O que você quer ser quando crescer? Eu sei lá, quero ser uma pessoa interessante, quero ter lido mais livros, quero saber tocar violão melhor, quero manter minhas amizades, quero estar perto do mar, quero fazer um curso de culinária, quero escrever um livro, quero aprender a fazer cerâmica, quero ser mais corajosa, quero ser feliz.
Não tenho muito uma resposta quando o assunto é esse, mas é uma questão sobre a qual eu tenho pensado muito conforme me aproximo da real “vida adulta” (na minha cabeça ainda tenho quinze anos, mas tudo bem). Adoraria saber o que vocês pensam, me chamem pra bater um papo!
E aproveito para deixar aqui algumas partes de um livro que eu amei ler apesar de se enquadrar no gênero autoajuda acho e que me fez pensar muito sobre a criatividade e como a gente não precisa ser “o melhor do mundo” nos nossos hobbies criativos, ou qualquer hobby na verdade.
“You're not required to save the world with your creativity. Your art not only doesn't have to be original, in other words, it also doesn't have to be important. For example, whenever anyone tells me that they want to write a book in order to help other people I always think 'Oh, please don't. Please don't try to help me.' I mean it's very kind of you to help people, but please don't make it your sole creative motive because we will feel the weight of your heavy intention, and it will put a strain upon our souls.”
“But to yell at your creativity, saying, “You must earn money for me!” is sort of like yelling at a cat; it has no idea what you’re talking about, and all you’re doing is scaring it away, because you’re making really loud noises and your face looks weird when you do that.”
“What do you love doing so much that the words failure and success essentially become irrelevant?”
(Big Magic - Elizabeth Gilbert)